A Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), realizou um workshop sobre “Compras do Estado como Âncora da Produção e Industrialização”. Durante o evento, foi apresentado um estudo que aponta a possibilidade de o Estado incorporar até 80% de factores de produção locais em certos sectores estratégicos, nos próximos cinco anos.
Arménio Mucache (texto)
O Estudo destaca que sectores como materiais de construção, fardamentos, materiais médico-hospitalares, indústria gráfica e produtos alimentares possuem condições para maximizar a incorporação de conteúdo local. O objectivo é atingir 80% de produção nacional nesses sectores e uma média de 50% em todas as compras públicas.
A vice-presidente da CTA, Maria da Assunção Abdula, ressaltou que as compras públicas são uma ferramenta estratégica para impulsionar o crescimento sustentável do país. Segundo Abdula, o Governo realiza compras de bens e serviços num valor médio superior a 500 milhões de dólares anuais, mas grande parte desses produtos são importados, agravando o défice da balança de pagamentos.
O Estudo identificou diversos desafios que dificultam a maior participação de empresas nacionais nas compras públicas. Entre eles, estão as fragilidades no quadro normativo, que exigem uma revisão da política de contratação pública para incentivar a produção nacional. A burocracia excessiva também é um entrave, sendo necessária a simplificação dos processos administrativos para facilitar o acesso das empresas locais às compras do Estado. Além disso, a infraestrutura inadequada impacta negativamente a competitividade da produção nacional, tornando essencial a melhoria da logística, energia e transporte.
Ponto crítico
Outro ponto crítico é a dificuldade de acesso ao financiamento, o que exige a revisão dos critérios de elegibilidade e o aumento dos montantes disponibilizados às empresas locais. Para superar essas barreiras, é fundamental promover parcerias para a transferência de conhecimento e tecnologia, além de implementar mecanismos de auditoria como forma de evitar fraudes e corrupção na contratação pública.
A secretária de Estado da Indústria, Custódia Paunde, destacou que o workshop foi uma oportunidade para definir acções concretas que promovam o conteúdo local e a transformação económica do país. O director da OIT para a Zâmbia, Malawi e Moçambique, Wellington Chibebe, reforçou que as compras públicas podem ser um instrumento estratégico para fomentar a produção local, gerar empregos e criar valor na economia.
Pedido de isenção do IVA para estimular a produção nacional
Durante o evento, a CTA defendeu a extensão da isenção do IVA por cinco anos como forma de estimular o crescimento da indústria nacional. Actualmente, Moçambique dispõe de apenas 3,5% da matéria-prima necessária para a produção de óleo alimentar. Com a isenção do IVA e a integração da soja na cadeia produtiva, o preço do óleo pode cair de 245 para 141 meticais, tornando-o mais acessível para os consumidores.
Além disso, a redução das importações de óleo e crude pode gerar uma poupança de 65 milhões de dólares anuais. A produção de soja poderá crescer 123% em cinco anos, passando de 51 mil toneladas para 360 mil toneladas, beneficiando cerca de 250 mil produtores e dinamizando sectores como a agricultura, o das embalagens e do transporte.
O director da OIT destacou ainda que a despesa pública deve ser usada como ferramenta para a industrialização, promovendo a inclusão social e incentivando o emprego de mulheres, jovens e pessoas com deficiência.
Falta de transparência no procurement público
Um estudo conduzido pela CTA revelou que a falta de transparência nos processos de contratação pública compromete a qualidade dos produtos e serviços adquiridos pelo Estado, além de favorecer a corrupção. Em 2023, a despesa pública atingiu 471 mil milhões de meticais, sendo 67% destinados a salários e aquisição de bens e serviços. No entanto, apenas 15% foi investido na compra de bens e serviços essenciais.
A consultora Iola Silva destacou que a ausência de clareza nos processos de procurement prejudica as empresas nacionais. O estudo recomenda a revisão do regulamento de contratação pública, alinhando-o ao Programa de Aceleração Económica (PAE). Também sugere a criação de linhas de crédito específicas para sectores estratégicos, como agricultura, tecnologia e indústria, além da introdução de incentivos fiscais para bancos que financiem empresas locais.
A melhoria da infraestrutura também é apontada como essencial para reduzir os custos operacionais das empresas nacionais. Outra proposta do estudo é a implementação de selos de qualidade para aumentar a competitividade dos produtos locais e a reserva de uma percentagem das compras públicas exclusivamente para Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPME), promovendo a sua participação no mercado.
A CTA, o Governo e parceiros internacionais concordam que Moçambique pode aprender com países como o Brasil e a Noruega, que adoptaram estratégias bem-sucedidas para fortalecer a produção nacional.
Compromisso do Governo com a industrialização
O Governo reafirmou o seu compromisso com a promoção do conteúdo local, alinhado à Estratégia Nacional de Desenvolvimento (2025-2044) e à Política e Estratégia Industrial (2016-2025). O Programa Nacional Industrializar Moçambique (PRONAI) visa aumentar a produção nacional, promovendo ligações empresariais entre produtores locais e a indústria.
A secretária de Estado da Indústria também destacou a recente Lei das Pequenas e Médias Empresas (2024), que dá preferência às PME na contratação pública. O objectivo é fortalecer o sector privado nacional e reduzir a dependência de importações.
O workshop concluiu que a industrialização do país depende da criação de um ambiente de negócios mais inclusivo, transparente e favorável à produção local.
TESTEMUNHOS

“Como é que mudamos este cenário? É preciso identificar o que Estado de facto está a comprar com esses 500 milhões de dólares e qual é a capacidade do sector privado, das empresas actualmente, e esta capacidade poder responder ao que o Estado compra. Será que existe capacidade? Se não existe, temos que construí-la. Quanto tempo levamos para construir essa capacidade? Quais são as medidas que temos que tomar para construir, para fazer essa capacidade? Então, foram identificados alguns sectores prioritários que já estão na posição para poder retornar os fornecedores e suprir, de alguma forma, as suas necessidades, mas produzindo localmente.
Os empresários estão interessados em investir, querem oportunidades de negócio para investir. O seu papel é investir e produzir, mas não o farão enquanto o mercado não estiver organizado da melhor forma possível. É preciso notar que o nosso mercado, apesar de sermos grandes, somos numerosos em termos de pessoas, a população é de 32, 34 milhões agora, estimados pelo INE, mas aqueles que são consumidores formais são menos de 10 milhões de pessoas. E desses 10 milhões, menos de um milhão não gasta mais de um dólar por dia. O mercado não é tão grande assim como se imagina, ou pelo menos, do ponto de vista da capacidade de compra, é muito limitado”.

“Nós identificamos aqui cinco maiores categorias de gastos públicos com bens e serviços. Eles são desde produtos alimentícios, quer para alimentar hospitais, quer para os militares e seguranças. Temos também mobiliário e equipamentos diversos, quer de telecomunicações, quer para outros fins. Temos também a categoria de produtos de higiene e serviços no geral. Nós achamos que estas categorias podem ser reformuladas e aqui olhamos muito para o sector da educação, onde temos os livros escolares que podem ser impressos nacionalmente. Temos o sector da saúde que consome diversos produtos que podem muito bem ser produzidos também em Moçambique, com algum tipo de reestruturação neste sector. Temos os fardamentos, temos também os mobiliários, e o sector de construção também não pode ficar de fora. Estes são os sectores e alguns produtos que achamos que concorrem para uma aquisição, quer a nível local, quer para uma maior agregação do conteúdo local.”

O estudo apresentado revela contribuições que podem melhorar as compras públicas. De facto há um gasto, nós vimos isto ao longo da apresentação. Está claro que está na categoria de bens e serviços, mas é preciso perceber se esses bens e serviços são mesmo do conteúdo local e vermos como é que nós podemos inverter isso porque, na verdade, o Governo já mostrou que existe um mercado. O desafio é que é preciso perceber quem são esses que estão a fornecer o Estado, e se têm alguma ligação empresarial com a produção nacional.




